apalavreado

adj.m. 1.aquele que não consegue descrever com palavras, 2. eu, 3. você, 4. os humanos em geral

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Ridendo Castigat Mores

R entra emburrado e senta ao lado de S

S:- O que há, irmão?

R:- Tive que deixar a Universidade, pq não estou tendo aula!

S:- E o pq isso te deixa tão perturbado?

R:- Estudei tanto para entrar nela: o oásis de todo e qualquer conhecimento... Quase uma ágora...

S:- Você vai perdoar a minha ignorância, mas o que é conhecimento?

R:- São as aulas, tudo aquilo que os professores falam, os textos.

S:- Entendo... Vida e conhecimento são coisas distintas?

R:- São, né... Conhecimento é aquilo que está nos livros, vida é o que vivemos.

S:- Você não vive seu conhecimento?

R faz cara de dúvida.

C entra com um craft escrito “greve” e gritando:- Fora já, fora já daqui!

R:- Ah, lá vem aquele comunista MALA!

C:- Fora já, fora já daqui! Fora PM e a Suely!

S:- Você grita essas palavras querendo atingir a quem?

C:- Fora... É comigo?

S:- Sim, com você.

C:- A todos! Quero que todos saibam pelo que lutamos!

S:- e vocês lutam pela saída da PM e da reitora da onde?

C:- Daqui, ué!

S:- Daqui? Eu não as vejo aqui...

C:- Da USP, eu quero dizer...

S:- E com que autoridade pede a saída de ambas?

C:- Com a autoridade de aluno dessa instituição!

R:- Olha só o discursinho pronto!

S:- E os alunos dessa mesma instituição que querem que elas permaneçam no campus?

R:- É! E a gente?

C:- Eles que façam um movimento...

S:- E o movimento estudantil não é de todos?

C:- Ah, é, né... Só que...

R (gritando):- Ninguém respeita nada!

C:- Seu reaça desgraçado!!

R (para S):- Ta vendo, ta vendo? Vou fundar um Movimento e vocês, comunistas, vão desejar nunca terem falado isso de mim!

R sai batendo os pés.

C:- Eu nem me importo!

S:- Com o que?

C:- Com o que esse aprendiz de reacionário diz!

S:- Peço mil desculpas... Estou velho e minha memória muito falha... Mas o que foi mesmo que ele disse?

C:- ... er... ele disse que... bem, ele disse...

R junta G e vai para a frente de S e C e diz:- Greve?

G:- Não!

R:- Aulas?

G:- Sim!

E o G rapidamente se dispersa.

C:- O que é isso?

R:- Isso, vermelhinho sem cultura, é um flash-mob!

S:- E você saberia me explicar o que é um flash mob?

R:- São manifestações relâmpagos.

S:- E como as descobriu?

R:- Na verdade, eu descobri que isso existia depois daquela manifestação sem calças que teve aqui nos metrôs de SP, sabe...

S:- Ah, sim... Mas um flash mob não é carregado de nenhum valor político-ideológico intrínseco na sua origem?

R:- Não. São pessoas que se reúnem para fazer algo fora do comum...

S:- Então é quase uma obra de arte?

R:- Por ai...

S:- E você torna a manifestação artística, política?

R:- Eles fizeram...

S:- Eles quem?

R olha de um lado para outro, com medo de que o escutem:- Os comunistas!!

S:- Sério?

R:- É! Eles... eles... fizeram isso com... com... a greve! Isso! A greve!

S:- A greve é uma manifestação artística?

R:- É...

C:- Cala boca e vai estudar! Agora sei pq preza tanto pela aula...

R:- Ta vendo como ele me trata?

S:- Como ele te trata?

R:- Assim, com desprezo!

S:- Você considera que o trata com desprezo?

C:- Bem menos do que ele merece.

S:- O que é desprezo para você?

C:- Pra mim é ignorar, mais do que isso, é se mostrar superior.

S:- Então, se você o despreza mais levianamente do que você diz que ele merece; você não é suficientemente superior a ele para dar a quantidade de desprezo digno a ele e às suas ações?

C:- AHN?

S:- Você diz que ele merece mais desprezo do que você reserva a ele, e diz que desprezo é se mostrar superior. Se você não o despreza mais significa que você não é tão superior a ele assim?

C:- Não, você não entendeu. É tudo uma questão de metáfora: nada é o que realmente parece ser. Então, eu só finjo que sou melhor, para me MOSTRAR superior, não ser. Ai ele cai e acaba achando que seu voto não conta ou que não vai fazer diferença.

R:- Então é assim que você transforma a democracia em uma comunistacracia!

S:- Como você pode supor que seu voto não faz diferença no que acontece nessa universidade?

R:- Nada muda! São feitas trezentas assembléias enquanto os comunistas não ganham o que querem.

C:- Você não entende, não é mesmo? É uma estrutura de poder!

S:- Escuta, mas não é contra isso que vocês lutam?

C:- É... Mas temos que nos sujeitar às regras vigentes para fazermos algo. Não podemos partir logo pra revolução.

S:- Não era o que Marx dizia que devia ser feito?

C:- Ah, era, mas, veja bem...

R:- Vocês querem o poder pra vocês.

C:- E todos não queremos?

S:- Com certeza o povo quer.

C:- Nós não tiramos o poder dele.

R:- Só fizeram assembléias longas e chatas para nos afastar.

C:- Sabe política é assim: uns gostam outros odeiam. Mas todos devem participar.

S:- Não participar não é uma escolha válida?

C:- É, mas ai você complica o andamento do governo, quer dizer, da universidade.

S:- De que maneira?

C:- Opinião pública. Ai vem a imprensa falar que são alguns baderneiros...

R:- E não são?

C:- Pode até ser que sejam poucos, mas a revolução começa da minoria!

S:- Pensei que não iam começar com revolução...

C:- É, mas a gente precisa de meios democráticos para conseguir modos legais de se manifestar.

R:- Manifestações não são ilegais... É só vocês não falarem em nome da MINHA Universidade.

S:- È sua?

R:- É claro!

S:- E os outros cidadãos brasileiros?

R:- Quando eles entrarem aqui será deles também.

S:- A universidade não é pública?

R:- Ah, é né... Só que eu que estudo aqui...

S:- E deveria ser diferente?

R:- Claro que não! Eu passei no vestibular! É meu mérito!

S:- Educação por mérito e privilégio é correto?

R:- Ah... Bem...

C:- Por isso eu odeio vocês, de direita! Vocês não têm consciência de que vivem em sociedade!

R:- E vocês ficam só na teoria...

C:- Quando a gente tenta fazer algo tem alguém nos criticando

S:- Se não conseguem fazer nada com crítica, talvez nem deveriam tentar.

C:- Ah, mas nem pra nos ajudar...

S:- E qual o primeiro passo que eles devem dar para ajudar vocês?

C:- Não sei...

R:- eu não faço nada pra ajudar esses vermelhinhos...

S:- Que tal vocês conversarem bastante?

R:- Para que?

C:- É! Pra que? O movimento vai super bem sem eles!

S:- Não é o que parece. Não acham que se houver o diálogo entre vocês, você (olha pro reaça) poderia fazer com que eles parassem de falar em seu nome, sobre coisas que não acredita e voltar a ter aula?

R:- Sim

S: - E você (pro comunista) não acha que assim poderia modificar o modo que está a cada dia se provando mais ineficiente, pois pouco consegue atingir as pessoas dentro e fora da universidade?

C:- Sim

S:- Pode beijar a noiva.

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