R entra emburrado e senta ao lado de S
S:- O que há, irmão?
R:- Tive que deixar a Universidade, pq não estou tendo aula!
S:- E o pq isso te deixa tão perturbado?
R:- Estudei tanto para entrar nela: o oásis de todo e qualquer conhecimento... Quase uma ágora...
S:- Você vai perdoar a minha ignorância, mas o que é conhecimento?
R:- São as aulas, tudo aquilo que os professores falam, os textos.
S:- Entendo... Vida e conhecimento são coisas distintas?
R:- São, né... Conhecimento é aquilo que está nos livros, vida é o que vivemos.
S:- Você não vive seu conhecimento?
R faz cara de dúvida.
C entra com um craft escrito “greve” e gritando:- Fora já, fora já daqui!
R:- Ah, lá vem aquele comunista MALA!
C:- Fora já, fora já daqui! Fora PM e a Suely!
S:- Você grita essas palavras querendo atingir a quem?
C:- Fora... É comigo?
S:- Sim, com você.
C:- A todos! Quero que todos saibam pelo que lutamos!
S:- e vocês lutam pela saída da PM e da reitora da onde?
C:- Daqui, ué!
S:- Daqui? Eu não as vejo aqui...
C:- Da USP, eu quero dizer...
S:- E com que autoridade pede a saída de ambas?
C:- Com a autoridade de aluno dessa instituição!
R:- Olha só o discursinho pronto!
S:- E os alunos dessa mesma instituição que querem que elas permaneçam no campus?
R:- É! E a gente?
C:- Eles que façam um movimento...
S:- E o movimento estudantil não é de todos?
C:- Ah, é, né... Só que...
R (gritando):- Ninguém respeita nada!
C:- Seu reaça desgraçado!!
R (para S):- Ta vendo, ta vendo? Vou fundar um Movimento e vocês, comunistas, vão desejar nunca terem falado isso de mim!
R sai batendo os pés.
C:- Eu nem me importo!
S:- Com o que?
C:- Com o que esse aprendiz de reacionário diz!
S:- Peço mil desculpas... Estou velho e minha memória muito falha... Mas o que foi mesmo que ele disse?
C:- ... er... ele disse que... bem, ele disse...
R junta G e vai para a frente de S e C e diz:- Greve?
G:- Não!
R:- Aulas?
G:- Sim!
E o G rapidamente se dispersa.
C:- O que é isso?
R:- Isso, vermelhinho sem cultura, é um flash-mob!
S:- E você saberia me explicar o que é um flash mob?
R:- São manifestações relâmpagos.
S:- E como as descobriu?
R:- Na verdade, eu descobri que isso existia depois daquela manifestação sem calças que teve aqui nos metrôs de SP, sabe...
S:- Ah, sim... Mas um flash mob não é carregado de nenhum valor político-ideológico intrínseco na sua origem?
R:- Não. São pessoas que se reúnem para fazer algo fora do comum...
S:- Então é quase uma obra de arte?
R:- Por ai...
S:- E você torna a manifestação artística, política?
R:- Eles fizeram...
S:- Eles quem?
R olha de um lado para outro, com medo de que o escutem:- Os comunistas!!
S:- Sério?
R:- É! Eles... eles... fizeram isso com... com... a greve! Isso! A greve!
S:- A greve é uma manifestação artística?
R:- É...
C:- Cala boca e vai estudar! Agora sei pq preza tanto pela aula...
R:- Ta vendo como ele me trata?
S:- Como ele te trata?
R:- Assim, com desprezo!
S:- Você considera que o trata com desprezo?
C:- Bem menos do que ele merece.
S:- O que é desprezo para você?
C:- Pra mim é ignorar, mais do que isso, é se mostrar superior.
S:- Então, se você o despreza mais levianamente do que você diz que ele merece; você não é suficientemente superior a ele para dar a quantidade de desprezo digno a ele e às suas ações?
C:- AHN?
S:- Você diz que ele merece mais desprezo do que você reserva a ele, e diz que desprezo é se mostrar superior. Se você não o despreza mais significa que você não é tão superior a ele assim?
C:- Não, você não entendeu. É tudo uma questão de metáfora: nada é o que realmente parece ser. Então, eu só finjo que sou melhor, para me MOSTRAR superior, não ser. Ai ele cai e acaba achando que seu voto não conta ou que não vai fazer diferença.
R:- Então é assim que você transforma a democracia em uma comunistacracia!
S:- Como você pode supor que seu voto não faz diferença no que acontece nessa universidade?
R:- Nada muda! São feitas trezentas assembléias enquanto os comunistas não ganham o que querem.
C:- Você não entende, não é mesmo? É uma estrutura de poder!
S:- Escuta, mas não é contra isso que vocês lutam?
C:- É... Mas temos que nos sujeitar às regras vigentes para fazermos algo. Não podemos partir logo pra revolução.
S:- Não era o que Marx dizia que devia ser feito?
C:- Ah, era, mas, veja bem...
R:- Vocês querem o poder pra vocês.
C:- E todos não queremos?
S:- Com certeza o povo quer.
C:- Nós não tiramos o poder dele.
R:- Só fizeram assembléias longas e chatas para nos afastar.
C:- Sabe política é assim: uns gostam outros odeiam. Mas todos devem participar.
S:- Não participar não é uma escolha válida?
C:- É, mas ai você complica o andamento do governo, quer dizer, da universidade.
S:- De que maneira?
C:- Opinião pública. Ai vem a imprensa falar que são alguns baderneiros...
R:- E não são?
C:- Pode até ser que sejam poucos, mas a revolução começa da minoria!
S:- Pensei que não iam começar com revolução...
C:- É, mas a gente precisa de meios democráticos para conseguir modos legais de se manifestar.
R:- Manifestações não são ilegais... É só vocês não falarem em nome da MINHA Universidade.
S:- È sua?
R:- É claro!
S:- E os outros cidadãos brasileiros?
R:- Quando eles entrarem aqui será deles também.
S:- A universidade não é pública?
R:- Ah, é né... Só que eu que estudo aqui...
S:- E deveria ser diferente?
R:- Claro que não! Eu passei no vestibular! É meu mérito!
S:- Educação por mérito e privilégio é correto?
R:- Ah... Bem...
C:- Por isso eu odeio vocês, de direita! Vocês não têm consciência de que vivem em sociedade!
R:- E vocês ficam só na teoria...
C:- Quando a gente tenta fazer algo tem alguém nos criticando
S:- Se não conseguem fazer nada com crítica, talvez nem deveriam tentar.
C:- Ah, mas nem pra nos ajudar...
S:- E qual o primeiro passo que eles devem dar para ajudar vocês?
C:- Não sei...
R:- eu não faço nada pra ajudar esses vermelhinhos...
S:- Que tal vocês conversarem bastante?
R:- Para que?
C:- É! Pra que? O movimento vai super bem sem eles!
S:- Não é o que parece. Não acham que se houver o diálogo entre vocês, você (olha pro reaça) poderia fazer com que eles parassem de falar em seu nome, sobre coisas que não acredita e voltar a ter aula?
R:- Sim
S: - E você (pro comunista) não acha que assim poderia modificar o modo que está a cada dia se provando mais ineficiente, pois pouco consegue atingir as pessoas dentro e fora da universidade?
C:- Sim
S:- Pode beijar a noiva.
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