apalavreado

adj.m. 1.aquele que não consegue descrever com palavras, 2. eu, 3. você, 4. os humanos em geral

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O poder da imaginação

Ele andava sempre pensando que o pior poderia acontecer.
Criava na sua mente as situações mais embaraçosas e às vezes chegava a confessar a si mesmo que só piorava as coisas agindo assim... Mas nem por isso parava de agir assim.
Imaginava diálogos com as pessoas que teve algum tipo de problema, imaginava longos textos para escrever quando chegasse em casa (e nunca o fazia), imaginava obras geniais... Ele podia ser um grande artista... Se não fosse sua mania de piorar tudo e sua enorme preguiça...
Imaginava altas cenas... De brigas, confusões, amor, ódio, discussões, sexo, de tudo... E acabava esquecendo de viver...
Um dia, enquanto descia a rua ouviu o barulho de um escapamento de uma moto. Caiu no chão desesperado, se contorcendo de dor. E morreu achando que tivesse sido atingido por um tiro.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Declaração

- Eu te amo!
- Não, não ama.
- Como assim? Do que está falando?
- Você ama a pessoa que eu finjo ser...
- E quem seria esse ser maravilhoso e espetacular?
- Ninguém.
- Pensei que fosse você...
- Eu não. Eu não sou absolutamente ninguém. Nem pra você ou pra qualquer outra pessoa!
- Você é só perfeito...
- Como?
- Você me ouviu...
- E você não me ouviu, não é mesmo?
- Ahn?
- Nada.
- Fala!
- Deixa pra lá!
- Nunca vou ignorar o que você tem a dizer!
- Pois deveria!
- E porque?
- Porque tudo o que eu falo é inventado!
- Por quem?
- Pelo amor que sinto por você.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Cansei

Minhas mãos às vezes me enganam... Estou para presenciar o dia que me trairei e todos descobrirão minha farsa. Descobrirão que não sou um ser completo, mas uma série de seres mutilados. Quantas vezes durante esses dias não escrevi coisas que não eram o que meu verdadeiro eu escreveria? Fiz isso durante a minha vida toda - entre redações escolares e cartas à amigos - porque deveria parar agora? Cheguei a tentar parar... Mas isso só serviu para meu "eu interior" - sejá lá quem ele for - ficar mais nervoso, inquieto. Então resolvi que repreendê-lo por tentar dar uma de camaleão não seria nem de longe a solução. E cá estou eu escrevendo algo que depois vai ficar nessa página de internet para que daqui algum tempo a autora possa ler e dizer: ai, como eu fui ridícula. Mas dane-se a autora. O que importa aqui é o eu-lírico. Alguém presta atenção em mim, por favor?

domingo, 12 de abril de 2009

Páscoa

- Ô, seu Moacir, ta com frio? - vira a mãe para o avô que vestia uma blusa de lã.
- Ahn? - respondeu o avô, que tem problema de audição
- O senhor ta com frio?
- Ué, eu não! To agasalhado.

A sabedoria senil.

A casa deles estava em reforma.
- Então o Laerte me chamou pra tomar banho lá na casa dele.
- Ahhh, foi no dia que faltou luz né?
- Nãããão! O que faltou foi água!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Book

Um belo dia para se ler, imaginou.
Para ela sempre era um bom dia para se ler.
Chuvoso? Ler. Ensolarado? Ler. Nublado? Ler, é claro!
Isso contribuía para seu isolamento social. Tinha poucos e escolhidos amigos e muitos, mas também escolhidos, livros. Contava nos dedos as pessoas com quem podia com certeza contar a todo momento e em qualquer situação. Em alguns dias, nesse grupo nem ela constava - mas com certeza o Machado a entenderia.
Anti-socialidade é um grande problema, mas ela gostava de pensar que era uma dádiva.
Ela imaginava que o fato de superar muitas coisas apenas lendo a tornava forte, quando isso a enfraquecia cada vez mais.
Quando morresse, dizia que queria ser enterrada junto com grandes clássicos, mas os cupins já os teria levado.
Clássicos que são clássicos duram para sempre, pensou ela, indignada.
E morreu de desilusão. Afinal, os livros também nos decepcionam.