Cena I
Escuridão. Som de um forte temporal. Ouvem-se raios e trovões.
Uma luz aparece ao fundo do palco.
Ilumina-se uma pessoa encoberta por uma capa preta. Ela caminha em direção à luz.
Pessoa:
- Lá! Lá não está chovendo... Vamos, Ricardo.
Ilumina-se o vazio.
Ricardo:
- Tudo bem, mas o que faremos quando chegarmos lá?
Pessoa:
- Você sabe que não sou de fazer planos...
Ricardo:
- Então porque quer ir para lá?
Pessoa:
- Lá deve ser um lugar melhor... Afinal, lá não está chovendo...
Ricardo:
- Lá vem você com os seus estereótipos...
Pessoa:
- Não é um estereótipo... Deus já nos castigou assim, com chuva, uma vez.
Ricardo:
- Não sabia que ele tinha tão pouca criatividade.
Pessoa:
- Isso! Brinca mesmo com a Santíssima Trindade!
Ricardo:
- Você quer dizer divindade?
Pessoa:
- Quem é você para dizer o que quis dizer?
Ricardo:
- Agora esqueceu quem sou?
Pessoa:
- Algum dia soube?
Ricardo:
- É melhor fingir que não mesmo...
Pessoa:
- Você me confunde.
Ricardo:
- Você se confunde.
Pessoa:
- Pare de falar e ande mais rápido.
Ricardo:
- Mas estou na sua frente.
Pessoa:
- Tanto faz.
Ricardo:
- Sempre sonhei em te beijar na chuva... Mas você fica tão brava molhada que eu realmente fico com medo...
Pessoa:
- Não é a chuva,
Ricardo:
- São as lembranças que ela te traz. É, eu sei, você já disse isso.
Pessoa:
- Você não acredita, acredita?
Ricardo:
- Porque não?
Pessoa:
- Porque não deveria.
Ricardo:
- Se não é a chuva e não são as lembranças, o que é?
Pessoa:
- Ricardo! – param de andar e apagam-se as luzes, exceto a ao fundo do palco – Ricardo! É você Ricardo!
Som de chuva recomeça mais forte.
Cena II
Ilumina-se o palco todo, exceto o canto onde a nossa personagem encontra-se deitada.
Ouve-se uma terceira voz:
- De novo essa história de Ricardo? Assim vou achar que você está me traindo, Larissa.
Larissa levanta esfregando os olhos e tateia uma parte clara do palco como se procurasse um abajur. Ela faz como se o ascendesse e é iluminada.
Larissa:
- Trair-te? Com quem, amor?
Boceja.
Terceira voz:
- Com esse Ricardo com quem tanto sonha. Posso saber quem ele é?
Larissa:
- Mas é você, bem.
Terceira voz:
- Meu nome não é Ricardo.
Larissa:
- Como não?
Terceira voz:
- Ou você me fala quem é esse tal de Ricardo ou você nunca mais verá a luz do dia.
Larissa:
- Amor? Amor? O que deu em você?
Apagam-se as luzes.
Cena III
Canto oposto do que foi realizada a última cena. O Amor, o Ódio e o Ciúme.
Ilumina-se o Amor que está sentado em uma penteadeira, admirando-se.
Amor:
- Eu sou perfeito e, assim mesmo as pessoas dão meu nome a todos que conhecem...
Ódio:
- Pare de se amar tanto, você não passa de uma ilusão.
Amor:
- Então você deve ser louco para estar aqui, falando comigo, não é querido Ódio?
Ciúme:
- Porque você o chamou de querido? Ele te maltrata e eu... Eu que sempre fui bom para você...
Amor:
- Só disse isso porque não consigo odiá-lo... Sou tão perfeito que só tenho amor no coração.
Ódio:
- Egocêntrico maldito!
Apagam-se as luzes.
Cena IV
Som de chuva, um pouco mais branda que a inicial.
Pessoa:
- Ah, a chuva está amena agora...
Ricardo:
- E você?
Pessoa:
- O que?
Ricardo:
- Está melhor?
Pessoa:
- Do que você está falando?
Ricardo:
- Você tem sérios problemas e é melhor trata-los logo...
Ilumina-se todo o palco e Larissa aparece correndo em direção à Pessoa de capa. Ricardo permanece invisível.
Larissa:
- Ele descobriu tudo!!
Ricardo:
- Que você é louca?
Pessoa:
- Cale-se! – apenas para Ricardo – ela não pode saber disso!
Larissa:
- Ele... Ele sabe sobre o Ricardo...
Pessoa:
- Então conte toda a verdade!
Larissa:
- Não poderia suportar tamanha vergonha.
Ricardo:
- Se você não fizer isso, eu farei!
Pessoa:
- Isso! Nós faremos!
Larissa:
- Tudo bem... Tentarei fazer isso... Mas e se eu não conseguir?
Ricardo:
- Que você apodreça por todos os crimes que cometeu!
Apagam-se as luzes.
Cena V
Larissa:
- Ricardo, Ricardo!
Terceira voz:
- E afinal quem é ele?
Larissa:
- Ele é... Ele é... Meu..
Terceira voz:
- Vamos, diga!
Larissa tem um ataque de tosse e o proprietário da terceira voz surge com uma faca.
Apagam-se as luzes e ouvem-se gritos.
Acendem-se novamente e Larissa se encontra com Pessoa e Ricardo novamente.
Ricardo:
- Parece que acabou tendo que pagar...
Pessoa:
- Ninguém mais respeita os loucos hoje em dia.
Larissa:
- Quem?
Pessoa:
- Vamos... Lá não está chovendo.
Ricardo:
- E parece que tudo começa de novo.
Cena VI
Chegam ao lugar seco e lá encontram o Amor, o Ódio e o Ciúme.
Amor:
- Ah, que belo dia... Também... Pudera! Eu estou aqui!
Ricardo:
- Nossa, que patético... Você achava que aqui era um lugar melhor?
Pessoa:
- Pelo menos não está chovendo...
Larissa senta em uma pedra a lado da penteadeira do Amor e fica o observando.
Ódio:
- Se esse tal de Amor não ficar quieto eu o mato!
Ricardo:
- Agora as coisas estão ficando mais interessantes!
Ciúme:
- Porque você fica prestando atenção no que ele diz? O Ódio dele só tem um alvo principal!
Ricardo:
- Que obviamente não é você.
Ciúme:
- Sim, eu sou excluído, mas precisa jogar na minha cara? Aliás, quem está falando comigo?
Ricardo:
- E isso importa? Pensei que só a verdade importasse...
Ciúme:
- A verdade não importa mais para mim... Todos a superestimam agora...
Larissa:
- Você é lindo, perfeito!
Amor:
- É, eu sei.
Larissa – enfeitiçada:
- Posso me jogar ao seu colo?
Amor:
- Nunca me pediram permissão para tal coisa. Pode, claro!
Ricardo:
- Deixa de ser boba, garota! Ele é apenas um sentimento...
Larissa:
- Ah, Ricardo... Cala a boca!
Pessoa:
- Esse Ricardo me tira do sério... Ele podia ter deixado a Larissa só para mim, não é mesmo?
Ciúme:
- Nossa, você é tão possessiva quanto eu!
Pessoa:
- E quem seria você?
Ciúme:
- E isso importa? Pensei que só a verdade importasse.
Pessoa:
- Nunca ouvi nada tão real.
Ódio:
- Ah, que rancor! Que ódio! – que egocentrismo mais digno do Amor – Que cena mais absurda de se ver! Humanos se apaixonado por sentimentos! Alguém previu isso?
Ricardo:
- Os românticos, por mais que me doa admitir.
Ódio:
- De quem é essa voz?
Ricardo:
- E isso importa? Pensei que só a verdade importasse.
Ódio:
(ri descontroladamente)
- Em que mundo você vive?
Ricardo:
- No interior de um mundo louco. Louquíssimo.
Ódio:
- O planeta Terra?
Ricardo:
- Não... A cabeça daquela menina ali.
Escuridão. Ouvem-se os gritos da Larissa e um último suspiro: Ricardo...