Tendo plena noção de que esta carta tem pouquíssima chance de ser publicada em algum meio de comunicação mais influente, a inicio com uma crítica justamente ao escasso espaço destinado às opiniões dos cidadãos dessa sociedade.
O quão triste é ler um jornal, uma revista, ou até mesmo um blog com pretensões jornalísticas com vários espaços destinados a uma mesma idéia? Fiquei bastante chateada, principalmente porque costumava acreditar que as pautas que impulsionam o Movimento Estudantil (ME) na Universidade de São Paulo (USP) atualmente poderiam ser resolvidas pelo diálogo, que os estudantes podiam inserir suas idéias na mídia e dizer o porquê de se colocarem contra, por exemplo, a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP).
O que a nossa reitora professora doutora Suely Vilela mostrou no momento em que permitiu que a Polícia Militar (PM) entrasse no campus Butantã da USP foi que esse diálogo não iria acontecer. Confesso que só então mudei a minha opinião e me posicionei a favor da greve, pois realmente acreditava – como estudante de Letras – na conversa.
A polícia foi sim chamada para cumprir um processo de reintegração de posse, mas é importante que pensemos nos motivos pelos quais os funcionários faziam os piquetes e até que ponto eles interferiam no direito das pessoas de ir e vir, já que eles não eram violentos e eram feitos através de conversa. Mais importante ainda é pensar na reação de todos os outros “habitantes” da “cidade Universitária”: a polícia lá causou muito desconforto.
Além disso, é muito importante que lembremos que a USP foi criada para ser autônoma e quando a reitora chama a PM ela inverte os poderes da Universidade e mostra a sua submissão ao governo. Existe a polícia do campus que podia lidar com esta situação. Fazendo isso, a reitora se destituiu do cargo, sendo assim, eu não me sinto mais representada por ela.
No dia nove de julho (09/06) estava programado um ato de estudantes, funcionários e alguns professores das faculdades estaduais (USP, UNESP e UNICAMP) no portão um do campus Butantã. A polícia estava em posição de choque e a ato se restringiu a palavras de ordem como: “Fora PM”, “Fora Suely”, “A culpa é sua, hoje a aula é na rua”, “Conhecimento sim, polícia armada não” – com os livros levantados, “Quem não pula é PM” e outras palavras que podem ter soado um pouco mais agressivas como quando chamavam os policiais de coxinhas.
Um desentendimento entre os manifestantes na hora de encerrar o ato acabou fazendo com que o movimento se dispersasse. Se houve ou não provocação por meio de alguns manifestantes não é exatamente o caso, mas supondo que este realmente aconteceu veja a generalização que a mídia fez dizendo que “o movimento estudantil é isso ou aquilo” e que “isso não é estudante, estudante é aquele que está na sala estudando” (e não defendendo o seu ideal de Universidade e seu local de estudo).
A polícia reagiu às (possíveis) provocações de um determinado grupo e, segundo as notícias divulgadas, fez isso apenas para dispersar o movimento – que já estava disperso. A correria se estendeu até o prédio da História e Geografia onde estava acontecendo uma reunião da Associação Docente da USP (ADUSP). Ao ser informada e perceber o que estava acontecendo a diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas desceu do prédio para conversar com os policiais que atiravam bombas de efeito (i) moral e de gás lacrimogêneo dentro do prédio quando foi bombardeada[1].
Os fatos decorrentes dessa entrada da PM comprovaram ainda mais a relutância da reitora e do governo em que esse diálogo acontecesse: as negociações com o FÓRUM DAS SEIS permaneciam fechadas e a imprensa se mostrava cada vez mais parcial. Confesso que isso me deixou muito chateada e pouco esperançosa. Cartas de diversos professores das mais variadas faculdades e universidades rodaram entre os e-mails dos estudantes e alguns chegaram à mídia, mas esta não manifestou interesse em publicá-las (salvo algumas como a carta do professor Safatle, do departamento de filosofia da FFLCH).
Hoje, uma semana antes do término das aulas na Universidade, a situação é outra. As negociações foram reabertas, a polícia foi retirada do campus nos dias de negociações (e os piquetes suspensos). Ou seja, a reitoria está se abrindo para o diálogo novamente.
A questão que mais me preocupa é: e se a reitora, o governo e a imprensa conversar com os funcionários, com os professores e se “esquecerem” dos estudantes pois são um “bando de baderneiros que tem é que estudar”?
Não devemos deixar que o movimento morra e muito menos nos esquecermos de uma das nossas principais pautas: a UNIVESP. O projeto da Universidade Virtual tem uma maquiagem democrática de acesso à educação, porém, ela acaba formando um círculo de precarização cada vez maior, uma vez que é um curso feito para suprir as vagas para professores da escola pública.
Falando pelo prédio de Letras, que não possui salas e cadeiras suficientes para sequer o ensino presencial, que infra-estrutura ele teria para receber o equipamento para o ensino à distância?
Mesmo que o projeto da UNIVESP não possuísse nenhuma falha, é preciso que se melhore o ensino presencial, aumente o número da vagas do mesmo para então aplicar um ensino à distância, caso contrário, se criará um ensino à distância precário. É importante lembrar, porém, que “estudante é aquele que está na sala de aula estudando”, segundo a mídia. Então pensaríamos: o ensino à distância faz com que a pessoa seja estudante?
Brincadeiras à parte, eu acredito, como futura professora, que a educação está além da sala de aula, está na convivência, na própria vivência com o Movimento Estudantil. O ensino à distância deveria ser aplicado como especialização e não como um curso de licenciatura, já que o contato professor-aluno, aluno-aluno se aprende muito com a vivência.
Escrevo hoje essa carta à comunidade, apenas como um desabafo. Acredito que para muitos estudantes será apenas uma repetição do que foi dito em assembléias e lido em fóruns de discussão, mas aparentemente, para a mídia isso é novidade.
Queria também manifestar meu repúdio aos atos abertamente antidemocráticos[2] que estão acontecendo, meu repúdio à parcialidade da mídia e principalmente meu apoio a qualquer pessoa ou movimento que esteja à procura de diálogo para fazermos do ME um movimento que possua forças para construir uma Universidade melhor.
Paula de Camargo Penteado
Letras – USP
23/06/09
[1]“Comunicado da Direção da Faculdade de Filosodia, Letras e Ciências Humanas
1. Por volta das 17hs, mesmo com a tentativa de mediação da direção da FFLCH junto ao comandante do efetivo da PM, bombas de efeito moral foram atiradas sobre o estacionamento do prédio de Geografia e História, tendo seus gases invadido o edifício, onde se encontravam muitos professores, alunos e funcionários de nossa unidade.
2. Independente das causas que tenham originado tal atitude, esta se constituiu numa agressão física e moral à Faculdade. Não podemos aceitar passivamente um ato violento que agrida um espaço que foi constituído para o pensamento e reflexão.
3. Inquieta-nos o fato de ser a primeira agressão direta sofrida pela faculdade desde 1968. Acreditamos ser urgente encontrar formas de reabrir o diálogo de modo a permitir que os meios tradicionais e próprios da comunidade universitária de resolver conflitos se imponham sobre a força.
4. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas em seus 75 anos de história conseguiu se transformar num patrimônio cultural do Brasil. É responsabilidade de todos nós, professores, alunos e funcionários da USP, encontrarmos meios deafastar todas as formas de violências do campus para preservar a Universidade como um espaço plural e democrático de geração e transmissão do saber.
Profa. Dra. Sandra Margarida Nitrini
Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas”
[2] " Grupos antigreve marcam novo ato na USP
Terceiro protesto contra a paralisação foi marcado para a próxima quinta-feira, em frente à Faculdade de Economia
Um dos grupos tem 665 membros na comunidade do Orkut e diz ter reunido 3.000 adesões em abaixo-assinado contra a paralisação na USP
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos últimos dias, um movimento antigreve na USP deixou de ser virtual (na internet) e passou a promover atos na Cidade Universitária. Já foram feitos dois protestos e outro está marcado para quinta.
Entre estudantes descontentes com sucessivas greves, há também dois grupos virtuais organizados, que participam ou organizam a mobilização.
O maior, denominado CDIE (Comissão para Defesa dos Interesses Estudantis da USP), existe desde abril deste ano e conta com 665 membros na comunidade do Orkut. Ele é responsável por um abaixo-assinado contra a greve, que já reúne 3.000 assinaturas, segundo os organizadores.
O mais recente, denominado Flacusp (Forças de Libertação Anticomunistas da USP), foi criado no Orkut no dia 8 e tem 107 membros virtuais "selecionados", afirma Leandro, 23, um dos participantes (ele não quis dar o sobrenome nem dizer a qual curso pertence).
Leandro classifica os atos do movimento grevista como "balbúrdia" e diz preferir a ditadura. "A ditadura impõe a ordem, não deixa essa zona acontecer."
O jovem era um dos participantes de um protesto antigreve que ocorreu na última sexta de manhã na USP e reuniu 80 estudantes. Na mesma noite, outra manifestação contra a paralisação reuniu cerca de 300 pessoas. Nos dois protestos, houve confrontos com grevistas, xingamentos e discussão. Antigrevistas afirmam ter sido vítimas de chutes e socos.
Nos protestos, estudantes contra a greve pediam a volta do "bandejão" e do "ônibus circular". Os grevistas chamavam o grupo de "fascista". O próximo ato antigreve será quinta, às 12h30, em frente à FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade)."
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