apalavreado

adj.m. 1.aquele que não consegue descrever com palavras, 2. eu, 3. você, 4. os humanos em geral

domingo, 12 de outubro de 2008

Música

Estava deitado naquela cama fria, olhando para o teto e escutando uma música qualquer em uma estação qualquer. Definia sua vida como uma música desconhecida tocada em uma rádio igualmente desconhecida.
A enfermeira entrou, fez uma série de exames e logo saiu. Ele se perguntou se ela ao menos sabia seu nome depois de tanto tempo. Apostou consigo mesmo que não
Ele costumava viver como uma pessoa ansiosa por mudar a estação de rádio que tocava. Nunca estava satisfeito com sua vida, queria sempre pular aquela estação.
Foi em um dia chuvoso que descobriu que estava doente. Os médicos não sabiam o que era e por isso, ele deveria ficar no hospital.
Não tinha mais família e os poucos amigos que fazia eram perdidos nas bruscas mudanças de sua vida. Foi a partir dessa doença que o rádio entrou em sua vida. Não gostava de ler e o hospital não tinha recursos suficientes para comprar uma televisão. O aparelhinho estava sempre ligado. Inclusive nas raras vezes em que conseguia dormir.
Suas costas doíam quando o jornal começou. O noticiário tornara-se o único contato com o mundo exterior ao hospital. Assassinatos e assaltos e trânsito. Sempre as mesmas notícias antigas. Faltava-lhe coragem para desligar o rádio e por isso, mudou a estação.
Dias passavam e ele continuava a mudar de estação. A enfermeira chamou-o pelo nome para que pudesse trocar a roupa de cama e ele se assustou. A moça então começou a conversar com ele enquanto o ajudava a levantar. Perguntou se gostava da rádio que então tocava e ele não soube responder. Talvez tivesse esquecido como se fala.
A enfermeira contou-lhe, com lágrimas nos olhos, que quando era criança sua mãe só ouvia aquela rádio e, ao ouvir isso, ele caminhou até a rádio para mudar de estação. Ela o impediu dizendo que era a sua favorita e que a ajudava a superar muitas coisas, pois sentia sua mãe por perto. Ele a encarou por alguns minutos sem entender.
Ela sorriu quando terminou de arrumar a cama e o deixou com seus pensamentos. Como podia sofrer e mesmo assim, ficar feliz com isso? No dia seguinte perguntou isso a ela e obteve uma resposta que nunca esperaria ouvir. Escutou ela dizer que o sofrimento é necessário para uma vida plena e feliz e que a superação do mesmo só traz mais felicidade.
Ele entendeu que deveria ter vivido sua vida como ele mesmo e não através de tantas máscaras e sorriu para ela. A enfermeira, feliz, foi encontrar o médico e deu a notícia: o paciente estava curado, aprendeu a ser feliz com ele mesmo.

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